Sexta-feira, 19 de Abril de 2024
Taurodromo.com A tauromaquia mais perto de si.

O Toiro Bravo, a Ciência e a Tecnologia

O toiro de lide: onde estamos e qual o futuro?
02 de Julho de 2011 - 10:53h Pensamento por: - Fonte: - Visto: 4047
O Toiro Bravo, a Ciência e a Tecnologia

       É do conhecimento geral que o toiro bravo é criado em sistemas extensivos, naturais (ou próximos disso) e com pouca intervenção do Homem. Nas origens das corridas de toiros, os animais eram totalmente selvagens, pastavam em zonas de vale ou de montanha onde havia pouca ou nenhuma intervenção do Homem e quando se pretendia realizar um evento taurino eram utilizados estes toiros “de ninguém”. Com o evoluir da festa brava, formaram-se ganadarias de rezes bravas, e o toiro bravo tornou-se doméstico. E foi este o primeiro passo para a posterior selecção e maneio que é hoje característica nas ganadarias de toiro de lide.

       Nos primeiros anos de toiro bravo doméstico o sistema de exploração destes animais podia considerar-se semi-selvagem, uma vez que tanto o efectivo de vacas reprodutoras, como os toiros a serem lidados, tinham muito pouco maneio e a maioria das ganadarias estavam instaladas em habitats muito semelhantes ao que era o habitat natural do toiro bravo quando este se encontrava em condições selvagens. Com a evolução da festa, aumentaram o número de festejos taurinos e a procura de toiros disparou, o que levou a um grande aumento da quantidade de ganadarias. Esse aumento do número de ganadarias levou a que estas se instalassem em ambientes cada vez mais diferentes do que era o habitat natural do toiro de lide e além disso, levou a uma substancial redução da área ocupada por cada reze brava.

       Estas mudanças na forma de exploração do gado bravo, a par da cada vez maior exigência do público em relação à apresentação do toiro (pena é por vezes se confundir tamanho com trapío), levaram a profundas alterações na forma de exploração e maneio desta raça bovina, afastando-se cada vez mais do que é o sistema semi-selvagem e aproximando-se perigosamente do que é o semi-intensivo. Começando pela identificação à nascença, e passando pelas cada vez mais intervenções sanitárias, homogeneização de camadas, ferra e até às corridas matinais, alimentação concentrada e colocação de protecções nos pitons, é cada vez maior o contacto dos animais com o Homem. E é isto mau ou bom? Depende. Para cada toiro individualmente, este maneio poderá trazer muitas vantagens e poucas desvantagens, para o toiro bravo em sentido lato, ou seja, considerando a raça brava como um todo e olhando para um futuro (ainda) distante, aí já serão mais as desvantagens do que as vantagens.

       Ainda assim, a verdade é que nunca o toiro bravo foi tão bravo como hoje. Parece isto uma contradição. Então o toiro é cada vez mais doméstico e cada vez mais bravo? Como é isso possível? A resposta é bastante simples: Selecção. Mas em relação à bravura, a questão é bem mais complexa. Enquanto o trapío está à vista de toda a gente, a bravura já é algo mais subjectivo, é algo que pode estar diante dos nossos olhos e não se conseguir ver, algo que não se pode medir, é uma característica comportamental do toiro bravo e não uma característica física e por isso nem sempre tem havido consenso. Mas por regra geral o toiro é considerado bravo quando humilha, repete, tem fijeza, investe com classe e temple na muleta e se arranca para o cavalo tantas vezes quantas for por ele chamado. E tem sido neste sentido que esta raça tem sido seleccionada e, por isso, tem permitido aos ganadeiros darem-se ao luxo de fazer um maneio diferente do que seria possível fazer com o toiro bravo ancestral (menos bravo mas mais selvagem ou bravío).

       É certo que no fim de contas (e ainda que o trapío tenha bastante importância) o que realmente interessa num toiro bravo é o seu comportamento. E aqui levanta-se mais uma questão: que influencia mais o comportamento do toiro bravo? A genética ou o ambiente? Segundo geneticistas de renome a nível internacional a genética influencia 35 a 40% do carácter (ou neste caso comportamento) de um indivíduo e o ambiente 60 a 65%. Isto leva-nos ao mesmo destino da questão das alterações do maneio, ou seja, a resposta é: depende! Se considerarmos um toiro em particular (o touro nºX, da ganadaria Y) é certo que o que mais influencia é o ambiente, mas se considerarmos o toiro bravo como raça os números perdem o valor (repare-se que as percentagens são em relação ao indivíduo e não à comunidade) e o que mais influencia é sem duvida a genética.

       Este aspecto é fácil de compreender tendo em conta que qualquer ganadeiro pode escolher qual a mãe e o pai dos bezerros que irão nascer o próximo ano e assim condicionar bastante a genética dos animais, muito mais difícil será escolher que ervas a vaca vai comer durante a gestação, em que barranco vai beber, em que azinheira vai parir, com que bezerros vai brincar o seu filho, como será o próximo Inverno e a próxima Primavera, que parasitas irão atacar o animal durante os quatro anos que está no campo, como será o embarque e o transporte até à praça, que irá ocorrer nos corrais da praça, como estará a tarde dessa corrida, quem será o toureiro que lhe apresenta a muleta, quem estará sentado nas bancadas da praça, etc. etc. etc. 

       Desta forma, e tomando como ponto de partida que a genética tem sido o ponto chave para a obtenção do tipo de toiro que temos actualmente (ainda que o ambiente influencie mais), que dizer em relação à inseminação artificial? A recolha de sémen a toiros antes do embarque para as corridas (através da electro-ejaculação) já é, hoje em dia, uma realidade em algumas ganadarias, estará em risco de extinção a imagem que todos temos do semental, comandante da manada, pai de todos os bezerros de um lote de vacas e que foi seleccionado pela sua excepcional bravura, casta, nobreza, transmissão e codícia? Passaremos a ter camadas inteiras descendentes de toiros mortos na arena? Será possível ter uma ganadaria brava sem um único semental, tal como ocorre nos bovinos leiteiros? Talvez pareça um exagero, mas a verdade é que esta questão à 50 ou 60 anos atrás não passava pela cabeça nem do mais futurista dos veterinários, hoje já não se pode dizer o mesmo.

       E a transferência de embriões? Nas éguas de excelente genética, esta técnica já se pratica com grande frequência, já que permite a obtenção de um grande número de filhos da mesma égua e que o animal continue em competição, já que nunca chega a ficar gestante, mas e nas vacas bravas estaremos muito longe desta situação? Com esta técnica, a partir de cada vaca pode obter-se mais de 50 crias por ano. Não serão estes números apelativos a qualquer ganadeiro? Mais ainda se pensarmos que as “barrigas de aluguer” podem ser vacas péssimas em relação à bravura, apenas tem de ser boas mães; mais, estas “barrigas de aluguer” nem vacas bravas é necessário que sejam já que geneticamente nada têm a ver com a cria que irão dar à luz. Então e se assim é, porque razão se utiliza tão pouco esta técnica em gado bravo? Duas razões: É caro (ainda) e dificuldades de maneio.       

       E a clonagem? Que dizer em relação a esta técnica de multiplicação tão largamente utilizada em plantas mas que cada vez causa mais polémicas quando aplicada em animais? Também a polémica é cada vez maior entre os aficionados, principalmente depois do nascimento, em Maio de 2010, de “Got” o primeiro toiro bravo clonado, da ganadaria de Alfonso Guardiola. Varias figuras públicas do mundo dos toiros têm sido questionadas acerca deste tema e parece que todas partilham da mesma opinião: é impossível que dois toiros se comportem exactamente da mesma maneira na arena, isto devido à influência do ambiente no comportamento de um indivíduo, pode-se até chegar ao cúmulo de o toiro “original” ser excelente e o clone ser péssimo ou vice-versa, já que o ambiente influencia muito mais do que a genética. Até aqui estamos de acordo mas e em relação ao efectivo reprodutor? Não seria interessante ter lotes de vacas geneticamente iguais? Não seria mais fácil seleccionar caracteres físicos, tais como a pelagem, a córnea, os aprumos, a cara, e toda a conformação corporal? Não gostariam muitos ganadeiros de ter um clone daquele semental que deu excelentes resultados?

       Mais uma vez voltamos às questões económicas: Hoje em dia clonar um animal (que ainda não se sabe a 100% que resultados dará) custa à volta de 30.000€, investimento que pode não ter retornos económicos por variadíssimas razões. Mas, como é costume, com o avanço tecnológico tudo se torna mais barato e certamente dentro de pouco tempo os resultados desta técnica estarão perfeitamente conhecidos e quando isso ocorrer, até onde nos pode levar a clonagem? Chegaremos ao toiro bravo perfeito? (se é que existe).  

       Tudo isto são questões que parecem um pouco abstractas mas que surgiram na cabeça de muita gente aquando do nascimento do primeiro toiro bravo clonado. Esperemos que estejamos todos sentados nas bancadas de uma praça de toiros daqui por 30 ou 40 anos a falar destes assuntos e a recordar o que se pensava em 2011.

Desenvolvido por PrimerDev Lda
Copyright ©2007-2024 Taurodromo.com, Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer conteúdo, sem a expressa autorização.